segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Nem todo dia é um bom dia - APTR Ouro Preto

Este texto estava guardado na cabeça pela escassez do tempo...

Ouro Preto, 01 de Novembro de 2014

Hoje aconteceu a APTR Ouro Preto, Evento de Trail Run do Professor Adevan Pereira  (AP); Levamos nossa maior equipe do ano, cinco componentes: Camilla (7k), Gunter (12k), Raphael (12k), Joyce (25k) e Emílio (25k).

O ambiente: Ouro Preto é uma bela cidade histórica, e se sente que por um lapso de tempo estaríamos vivendo páginas dos livros de História. É cercada por cadeias de morros, e a mais imponente faz parte do Parque Estadual do Itacolomi. A Corrida tem o Parque como ponto de partida e de chegada.

Hora da largada, 10h, temperatura ainda baixa, e uma escolha errada: largar com o conforto de uma blusa segunda pele. Decidi largar num ritmo conservador, sem forçar, aguardando o completo aquecimento e o "steady state" para então estabelecer o ritmo da prova. No primeiro quilômetro, tento não forçar, sendo ultrapassado a todo momento, mesmo assim o pace de 4:45 numa subida gradual diz que a prova vai ferver, no segundo quilômetro estou entre os 30 primeiros. O visual se desenha maravilhoso, deixamos o Parque e uma bela formação sedimentar se põe ao lado do caminho. O conforto não chega, pelo contrário, pareço cozinhar dentro da blusa pelo esforço e pelo mormaço. Defino nesse momento que no primeiro posto de abastecimento retirarei a blusa de baixo. Uma curva para a esquerda e damos de cara com o vento, que refresca e alivia o calor; o terreno não impõe dificuldades, mas o conforto não vem, sigo sendo ultrapassado. Chegamos à uma vila pitoresca de vias calçadas de pedras: Lavras Novas. Alguns descuidados se intertem com a cidade e perdem a marcação vistosa de fitas zebradas em amarelo e preto. Desde a entrada da vila venho acompanhado de um belorizontino, que havia estudado em Ouro Preto e viemos trocando idéia até o posto de abastecimento. Tempo nublado, vento frio. Tomo 2 copos de coca-cola, decido manter a blusa: persisto no erro; retomo a corrida.
Após 1 km o sol abre, o vento pára. Estou fritando! Ligo o "modo mental" e sigo em frente. Já são 12km, mas sei que ainda tem toda a subida da volta. A busca pelo conforto fica de lado diante da constatação que estou fisiologicamente em sofrimento, as pernas pesadas, a frequência cardíaca mais alta que o normal. O "modo mental" me traz lembranças de outras corridas, dias bons... estamos numa descida, quatro corredores 20 metros à frente. Sinto a força nas pernas, abro as passadas e despenco caminho abaixo; em um minuto já passei e abri distância dos companheiros. km 14! Foi um brilhante quilômetro! Mas na próxima subida reduzo o passo e as pernas queimam, a FC sobe e estou novamente a sofrer; nos aproximamos da Represa do Cardoso, uma rampa de pedra e inevitavelmente o contexto me leva a uma condição nova nesses 2 anos de Trailrun: caminhar. Volto ao trote, mas na próxima subida a coragem deixa as pernas e volto a caminhar. O sofrimento dá lugar a uma falta acentuada na disposição para correr. Paro para respirar, estou ofegante, parece que corri 100m em 13s como nos tempos da faculdade. Finalmente tiro a blusa de baixo, como e bebo; o corpo quer parar, mas a cabeça não vê opção que não seja completar. Volto a correr, a parada não ajudou o ânimo, mas , me dou conta que a vontade mental, que muitos podem chamam determinação, não me abandonou,  pelo contrário, me empurra caminho adiante. Estou na Estrada Real, penso na dimensão histórica que estou vivendo, e vou seguindo, sofrendo, me distraindo, me motivando...
No km 18, posto de abastecimento, parada mais para descansar que para abastecer. chupo uma laranja, algum chocolate, bebo água, coca-cola, me refresco com a água gelada. Volto ao caminho,
o caminho é quem faz a caminhada, a luta, e não quem luta. Corro, caminho, agora com muita dificuldade; para o ritmo não importa andar ou o trote cambaleante que imprimo, mas correr faz bem ao meu ego... mais um posto de hidratação, tento comer uma banana, que não desce. Num trecho plano tenho uma dificuldade imensa para me manter corrrendo. Já escuto a sonorização do evento, mas não me engano, faltam mais de 4km e chega a hora das trilhas. Entro na primeira, meu habitat preferido, o sangue esquenta, a trilha pede para correr; me aventuro e acelero, mas um trupicão me traz um novo desconforto, uma forte cãibra na panturrilha esquerda. Demora a passar, começo a caminhar, o som desaparece, estou me afastando do ponto final...  passo pela capela e a próxima trilha leva para o lado oposto da meta; ando mais que corro. Um tronco à meia altura... transponho por baixo, quase sentado e agora as cãibras nos adutores se somam à da panturrilha. Já passam de 3 horas de prova, vou seguindo adiante; saio da trilha e encontro um Staff que me indica finalmente a direção da chegada. Volto a correr, estou na estrada; passo pelo Adevan Pereira que indica ainda uma última trilha, mesmo que a chegada já esteja à vista do lado esquerdo. A trilha do Forno começa com uma escada. 4 degraus que determinam que minhas duas pernas seriam dominadas pelas cãibras a partir dali. Já estou no automático, já não olho em volta, me concentro em sair daquela mata, avistar a chegada, e tropegamente trotar até o objetivo, sem sprint, sem preocupação com o cronômetro, só quero chegar. meus amigos e alunos me aguardam, é um reencontro confortante! Não teve emoção qualquer. Nos próximos minutos fico meio aéreo, não é uma sensação agradável. Tomar um banho limpou o corpo mas não trouxe renovo no ânimo. Depois de momentos de completo desligamento sento-me debaixo de uma Aroeira e então sim, me emociono com os corredores que ainda lutam para fechar suas provas, contemplo seu sofrimento e me lembro do meu. Um estranho sentimento de vitória lá no fundo, vindo de uma capacidade de superação, que eu imaginava ter, mas que não o havia experimentado. Uma nova conquista, uma nova descoberta; um dia ruim, não para ser esquecido, mas um dia ruim!
Apesar do treino, do comprometimento, das escolhas e das renúncias, o atleta não é uma máquina e nossas reações não são totalmente previsíveis. O treino, exigente, vai fazer brotar as qualidades que nos farão superar o inesperado sempre que se interpor aos nossos caminhos. Up Omega!

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